Fora das empreitadas internacionais para acelerar o processo de busca por uma vacina que combata o coronavírus, o Brasil se transforma em um dos centros mais importantes para o passo prático da imunização desenvolvida pela Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca, ambas com sede no Reino Unido. O presidente da empresa no Brasil, o escocês Fraser Hall, explica o motivo: além da grande população, o país está em franca aceleração de casos de pessoas com covid-19.
Além de se tornar uma amostragem importante para o processo de testagem da vacina – que foi autorizado esta semana pela Anvisa -, ao lado de experimentos também feitos com britânicos e americanos, o País é grande e populacionalmente denso. Além disso, segundo o executivo, pelo fato de a América Latina ter se tornado o novo epicentro da doença, certamente faz com que se configure numa das maiores demandas do mundo.
Em entrevista por videoconferência ao Estadão, Hall informou que há um esforço para levar a vacina contra a covid-19 ao Brasil o mais cedo possível. Segundo ele, é o ministro interino, general Eduardo Pazuello, que está coordenando respostas do País com a empresa, que é a responsável pela distribuição da vacina no mundo, quando ficar pronta. “Precisamos saber quantas doses o Brasil vai querer, o que deveremos saber em algumas semanas”, disse o presidente, lembrando que este também é o período previsto para o início da fabricação global da vacina. “Temos a candidata a chegar mais rapidamente no mercado, mas não podemos dizer que será a solução completa”, alertou.
A AstraZeneca está à frente, junto com a Universidade de Oxford, de uma das mais promissoras e esperadas vacinas contra o coronavírus. Qual é a situação no momento?
Fraser Hall – É uma parceria entre a Universidade de Oxford e AstraZeneca, e mostra a força da ciência no Reino Unido. Assinamos o acordo com a Universidade e Oxford fica com a parte de pesquisa, enquanto nós somos encarregados da parte da cadeia produtiva, da produção e distribuição da vacina. Como se trata de um problema global, conseguimos logo no início nos comprometer com o fornecimento de um bilhão de doses de vacina, destinando 100 milhões para o Reino Unido, 300 milhões para os Estados Unidos e estamos trabalhando com organismos governamentais e não governamentais, como CEPI (Coallition for Epidemic Preparedness Innovations), Gavi (Alilança de Vacinas) e OMS (Organização Mundial de Saúde) para ver como será a distribuição dessas vacinas. Ontem, num evento no Reino Unido, anunciamos outro 1 bilhão de doses com a integração do Instituto Serum, da Índia, que pode ajudar em termos de produção. E a distribuição também será feita para o Brasil.
Como está o procedimento no Brasil?
Hall – No Brasil, estamos trabalhando em várias áreas. Uma é na área de pesquisa. No dia 2, tivemos a aprovação de uma testagem da vacina no País, com 2 mil pessoas que serão vacinadas, e que vai começar este mês. A segunda é trabalhar com o governo brasileiro sobre quantidades, determinar quantas doses o Brasil vai querer.
E quantas são?
Hall – Ainda não temos um número, mas basicamente o Ministério da Saúde está trabalhando neste número neste momento e, considerando o tamanho da população, deve haver uma grande esforço para levar a vacina para o Brasil o mais cedo possível.
Estamos no momento sem um ministro da Saúde oficial, há apenas o interino (general Eduardo Pazuello). Com quem vocês estão tratando?
Hall – O general Pazuello é o ministro que está no cargo e ele está coordenando as respostas com o time. Então, a segunda área trata de saber quantas doses o Brasil vai querer, o que deveremos saber em algumas semanas. E a terceira é a cadeia de fornecimento: como vamos entregar para o Brasil, quando, etc., para que o país participe desse processo global de alocação da OMS, CEPI, Gavi, que é de aceleração do programa. Também estou falando com outras áreas do governo para ver o que é preciso para trazer a vacina o mais rápido possível.
No Reino Unido, o governo fala que a vacinação começará para os britânicos em setembro. Quando o senhor vê que será nos outros lugares? Em setembro mesmo, em outubro, apenas em 2021?
Hall – Quando o governo fala nessas datas, sabe-se que as primeiras doses dependerão de como a fase experimental clínica se dará. Temos que verificar se o produto funciona e, se quando essa fase terminar, vamos começar a produzir ou se vamos começar a produzir agora na expectativa de que a fase de testagem seja positiva e teremos o fornecimento mais cedo. O processo de fabricação global começará em poucas semanas. Para o Brasil, dependerá de duas coisas: de onde as doses virão – se serão produzidas no Brasil – ou se virão de outro país…
Mas é possível que sejam produzidas no Brasil?
Hall – Há muitas opções, mas o mais importante é lembrar que é uma cadeia de suprimento global e a ideia é ter a maior produtividade possível. Estamos procurando obter o maior volume de lugares para produção com capacidade no mundo para podermos suprir a demanda.
A AstraZeneca está no Brasil, em Cotia (São Paulo). Seria possível produzir nessa filial da empresa?
Hall – Não. A produção de vacina é um processo muito específico – não produzimos vacinas na AstraZeneca Brasil – e, neste caso, é uma vacina viva (referência para quando o vírus está vivo), o que significa que exige alguns requerimentos muito específicos em termos de esterilização, de tipos de plantas que podem produzi-la, então isso reduz o número potencial de lugares que podem fabricá-la. Além disso, a quantidade de doses de que estamos falando também restringe o número de lugares que podem produzi-la porque é uma grande, grande quantidade de doses. Junto com as entidades que mencionei, a AstraZeneca está liderando o processo e considerando todas as opções com o governo brasileiro.
Como já há várias cepas de coronavírus, como saberemos se a vacina abrangerá todas as mutações existentes até aqui?
Hall – Há duas respostas para isso. A primeira é que esta é uma plataforma que estamos desenvolvendo de vários tipos, que é validada por outros tipos de vacina, e um dos motivos pelos quais os governos estão investindo tanto nele é porque acreditam no seu sucesso. Há outras tecnologias sendo investigadas, menos validadas no momento, mas que também podem ser promissoras. Precisamos de uma gama de abordagens imunológicas para garantir que podemos lidar com essa pandemia. Temos a candidata a chegar mais rapidamente no mercado, mas não podemos dizer que será a solução completa. O programa completo está sendo testado por 10 mil pessoas no Reino Unido, 30 mil pessoas nos Estados Unidos e 2 mil pessoas no Brasil, então temos uma grande população para fazer o julgamento e também em diferentes países. Então, quando tivermos os resultados, acho que poderemos ficar confiantes nessas cepas do vírus.
A relação das farmacêuticas com as universidades ocorre sempre dessa forma, ou foi a pandemia que levou a esse formato – não estou nem falando da velocidade com que as coisas estão se dando porque isso está claro…
Hall – É uma boa pergunta (risos). Claro que a velocidade com a qual as coisas estão se dando nunca foi vista antes, mas segurança e efetividade são os dois compromissos mais importantes de tudo isso. Sempre temos parcerias com instituições acadêmicas e da área de saúde. No Brasil, temos com o HC (Hospital das Clínicas), por exemplo. Um dos motivos que mudamos nossa sede de Manchester para Cambridge foi para estarmos perto da Universidade de Cambridge, uma das principais universidades do mundo, e a maioria das nossas outras empresas está próxima de hospitais, porque é uma oportunidade de integração.
É com alguma surpresa que o Brasil se insere num projeto tão grande. O senhor citou o evento no Reino Unido de ontem, que arrecadou US$ 8,8 bilhões em financiamento para vacinas, e o Brasil não fez parte da conferência. Da mesma forma, está de fora de grupos internacionais que buscam a aceleração da vacina… como isso é possível?
Hall – Há diversas razões para isso. Uma é que a América Latina, ao lado da África, se tornou, infelizmente, um centro do coronavírus. Do ponto de vista de onde as pessoas enxergam maior demanda, o Brasil é claramente um desses países. Além disso, tem uma população de mais de 200 milhões de pessoas e é um país muito grande.
Pelo que entendo, então, é importante para o mundo todo que se diminuam os chamados ‘hotspots’… É bom para todos que o Brasil fique saudável…
Hall – Sim… Mas também é uma oportunidade para ver se a vacina funciona. Para fazer a testagem é preciso estar em um lugar que o vírus está atuando com força. É por isso que o Brasil está tendo grande parte nisso, assim como o Reino Unido e os Estados Unidos. Mas sempre houve a avaliação pela AstraZeneca de que o Brasil é um país importante. É um lugar-chave para nós, é um país incrível. Eu falo com o CEO global da companhia, Pascal Soriot, pelo menos uma vez por semana e ele sempre me pergunta sobre o Brasil.
Além de Brasil, Reino Unido e EUA, vocês pretendem fazer a testagem e mais algum país?
Hall – Sim, estamos fazendo uma busca em lugares potenciais na África, onde o vírus também começa a ficar forte.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.